Greg Snider era viciado em
antidepressivos. Era a única coisa que detinha suas mãos trêmulas e sua mente
confusa. Até porque não dava para fazer cagadas enquanto abria a barriga ou
cabeça de ninguém. Os antidepressivos de hoje em dia possuíam uma mistura
química tão potente a ponto de se tornar algo para uso recreativo, parava os
tremores das mãos, aliviava a pressão de uma mente confusa e ainda trazia uma
felicidade fora do comum.
Sentado em sua sala escura e
tentava ignorar a luz vermelha acessa irritantemente em cima da porta alertando
desesperadamente a necessidade dele comparecer para salvar um paciente. Pegou
um copo d’água sem muita vontade de fazê-lo e tomou logo duas cápsulas do
milagroso remédio. Penteou os cabelos grisalhos e lisos. Encaminhou-se para a
sala que o requisitou.
Greg tornou-se meca-cirurgião procurando
ganhar bastante dinheiro, abrir sua própria indústria de órgãos semi-mecanizados
e escravizar pacientes a altos gastos com a manutenção dos órgãos. Era tudo
muito simples, os órgãos vão morrendo, e as pessoas na tentativa de prolongar
tal fardo gastam fortunas a fim de experimentar mais meias centenas de anos. A
questão é quanto mais órgãos envelhecem e são transplantados, mais alto fica o
custo até o paciente não ter mais dinheiro ou a família cansar de gastar tanto
com alguém que já deveria ter ido.
O mundo não mudou muito com os
avanços tecnológicos, pelo menos não em Tóquio onde Greg trabalhava, grandes
hospitais, indústrias, comércio, ciber-lan-houses, vendia-se de tudo. Até mesmo
o ar era comercializado. O governo cobrava com altos impostos o ar-condicionado
da cidade, a luz do Sol que brilhava mais tempo que a escuridão da noite.
Vendia-se de tudo e Greg era um bom vendedor.
Nunca havia mentido sobre o
estado de saúde de um paciente, mas, prometia tecnologia de ponta e tecnologia
de ponta sempre é mais cara. Mas, também nunca havia pedido um paciente até
hoje. Richad Patt era um paciente centenário de Greg, estava a beira de ter uma
falência múltipla quando Greg ofereceu-lhe o investimento. Richard aceitou de
primeira, queria ver o crescimento de sua netinha. Tudo parecia ir bem, até a
netinha ligar para Greg e falar da impossibilidade de continuar pagando os
custos da manutenção dos órgãos semi-mecanizados do dedicado avô.
As famílias eram assim, tão focadas
no lucro quanto uma empresa exploradora do trabalho infantil. Greg sabia disso,
mas, hoje foi a primeira vez em que ele perdeu um paciente. Na verdade, em seu
hospital os pacientes nunca eram perdidos, o objetivo era mantê-los vivos, pelo
menos hoje a medicina conseguia fazer isso efetivamente e cobrando muito mais. Tudo
era muito calmo, robôs faziam boa parte do trabalho, computadores monitoravam
os órgãos semi-mecanizados, cada um deles era construído sob medida. Não haviam
muitos leitos para internação, os pacientes nunca passavam muito tempo
hospitalizados. O avanço tecnológico possibilitou à indústria biomédica criar
drogas muito eficientes, principalmente as regenerativas para traumas pós-cirúrgicos
e até mesmo pequenos arranhões cicatrizavam com o passar de uma pomada.
Greg ainda precisava respirar
fundo. Precisava tirar umas férias, viajar para as colônias em Urano, era tudo
mais bonito por lá. Precisava voltar para a realidade e tinha uma cirurgia lhe
esperando. Christie era uma bela moça, tinha contraído diabetes ainda jovem e
estudou bastante para conseguir se formar em Direito Interplanetário, trabalhava
numa agência em Júpiter e podia pagar o resto da vida por um pâncreas novo.
As mãos de Greg pararam de tremer
no momento exato em que ele entrou pela porta e fitou Christie com um belo
sorriso.
- Hoje é o grande dia! – Greg sorria mais do que nunca, a
felicidade bateu de jeito – vamos logo ligando o som para relaxar o ambiente e
trocar esse pâncreas doente por um novinho em folha!
- Não vejo a hora doutor! – Christie já estava ansiosa, ela
sabia que tudo ia dar certo, pagou caro por isso! A questão não era essa. Ela
queria poder comer o que bem entendesse e quando bem entendesse novamente. Álcool,
Christie nunca se conformou em não poder beber novamente. Ela estava ansiosa.
Greg foi
vestido por R001AMC (Robô 001 Ajudante Meca-cirurgião), o robô também sedou
Christie e eles começaram a cirurgia. Apesar de tantos avanços, a instintividade
humana era imprescindível em assuntos tão delicados como um corte por bisturi. A
mão não tremia mais e a cirurgia durou três horas de relógio. A recuperação de
mais duas horas.
Christie
acordou e viu o Doutor Meca-cirurgião Greg Snider sentado ao seu lado. Ele
conversou sobre alguns mínimos efeitos colaterais, e como tudo ia ser flores dali
em diante.
Greg tomou
mais uma cápsula de antidepressivo.