sábado, 7 de dezembro de 2013

Roteiros de Futuro I

Meu eu digital caminha em minha mente
Minha mente artificial brinca de vidência
Nessa indecência de desertos de realidade
Nessa necessidade de ver futuro

E nisso dancei por entre dados
Tateei os pares de informações
Num mundo sem invernos ou verões
Sem gaivotas ou andorinhas
E sem violência é difícil de acertar
Sem vidência fica fácil de errar

É zero e um, zero a zero, um a um
É o espaço sem tempo contínuo
É dados sem nomes, nomes sem rostos, rostos sem mentes
Apenas somam, apenas contam, apenas de nada sabem

Não sabem esquecer nem querer
Encho minha mente de dados e registros
Sei utilizá-los quando bem pensar
Nessa indecência de deserto de realidade
Sem a vidência não se constrói vários roteiros de futuro


(Y.S.S. 07/12/2013)

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Das assas, voos e ventos

As gaivotas bailam sobre um rio de firmamento
E as águas molhadas de poeira estelar desaguam galáxias imensas
Dessas com correntes quentes e frias entre zonas trópicas e equatoriais
Equitativo sem medição é o bater de assas simbólicas
Dependuradas num varal estendido sobre esgoto espúrio
Visto-as, mas, não consigo planar, falta o vento

Agarro-me por fim na cauda de um cometa triste
Ele caminha solitário e qualquer impacto seu é chamado de violento
Quer descansar, ele apenas quer formar um mar ao colidir
Quer se desfazer nas falésias de vida borbulhante

O que há de mal em banhar-se nas águas da memória?
Descendo profundamente, escavando pensamentos de acesso padrão
Rapidamente imergir em solida carapaça de medos e solidões
E as gaivotas continuam planando e em minhas assas nem sequer bateu um vento.


(Y.S.S. 27/11/2013)

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Planar sideral

Decido tudo e num instante transfiguro num mundo sideral
Plumas já não servem ao atrito e o planar é pura vontade
Tudo parece falta de gravidade e impulso pra espaçonave
As horas não voam com o vento e o vácuo não permite a demora
E a aurora é um escudo profundo protegendo a escuridão do mundo

O decolar no universo é sempre permitido se não fosse o amanhã
Esse que impede de olhar além da tarde vã
E o tempo espacial derradeiro por pura novidade
Cansou de ouvir ontem, hoje, amanhãs e talvez
E ficou como plumas planando por pura vontade
Vontade de transfigurar-me num sideral sem rumo


(Y.S.S. 18/11/2013)

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Beleza e caos no ciberespaço

Eu sou o caos. Violet sabia pelas curvas assimétricas do seu corpo, pelos olhos verdes e lábios rosados. Sabia pela forma de falar marcante, imperativa, porém suave e encantadora. Pela forma de olhar no interior dos olhos do outro, pelo andar levemente rebolado. Pelos vestidos com leves decotes e costas nuas. Vestidos soprados pelo vento, num movimento ondular hipnotizador.
 Anos atrás nada parecia possível. Violet teve uma vida difícil, não tão diferente como o do resto dos terráqueos, mas, nem tão igual. As "periferias" eram conglomerados de restos mecânicos sem serventia para o mundo e o universo. Tudo ia para lá, de robôs defeituosos a resíduos semi-orgânicos. Ela tinha conhecido o pior de tudo. Já tinha trabalhado como catadora, tentou vender algumas drogas positrônicas, tentou vender bebidas lícitas, tentou vender seu corpo, prostituiu-se. Fez de tudo um pouco, mas, nunca se imaginou uma caçadora de recompensas interplanetária.
 Violet sabia atirar muito bem. Ela sempre sabia onde estava o alvo, mesmo antes de implantar líquidos amplificadores de retina. Seus olhos eram como lentes superpotentes. Essa profissão vingou logo, matava como ninguém. Ela também gostava de ver sangue. A tonalidade do vermelho dava apetite. Principalmente quando eram almas desgarradas e perigosas. Ela gostava de caçar criminosos, mas, trabalhou alguns anos como matadora de aluguel e não se preocupava com quem era o alvo. O dinheiro parecia jorrar de uma cachoeira infinita e as modificações físicas foi seu principal gasto.
 Agora ela estava negociando com hackers do ciberespaço um implante cerebral para poder se conectar nesse mundo tão cobiçado. Ela ouvia histórias de como a realidade era uma senda maleável como águas e traiçoeira como as marés. Ela adorava ser traiçoeira.
 Foi uma cirurgia longa, 12 horas. Qualquer erro e ela poderia ter enormes consequências, morrer seria a melhor delas. Depois de uma anestesia, não sentiu nada. Acordou num susto.
Estava no quarto de cirurgia e parecia nem ter feito cirurgia alguma. Sua primeira reação foi tocar a nuca, nada. Não havia implante nenhum. O médico responsável pela cirurgia estava sentado ao seu lado dormindo.
 Ela rapidamente levantou-se da cama e enrolou o pescoço do médico com os fios de medição cardíaca. O médico acordou e começou a sorrir. Sorria bastante. O fio em seu pescoço foi ficando cada vez mais apertado na medida em que dobrava o sorriso. Violet não sabia o que fazer.
 - Criança, você está no ciberespaço, quer dizer, um protótipo dele no nosso computador. Nem se você quisesse me mataria - disse o doutor com um tom sarcástico e risonho.
 - Mostre-me tudo - a irritação de Violet desapareceu em milésimos de segundos, estava maravilhada com tudo aquilo.
 O arquiteto do sistema prontamente mudou o ambiente e Violet viu o mundo piscar a primeira vez ao seu redor, tudo tinha ficado rapidamente branco e depois ela estava no meio do Central Park em Nova York. Ela olhou bem, olhou novamente. E sorriu.
 Era o Central Park do início do século XX. Uma recriação computadorizada do parque a partir de fotografias antigas. Tudo era tão real. As pessoas passando. Os homens acompanhados com suas esposas, os homens que olhavam com desejo para Violet. Ela despertava desejo por toda a Nova York reproduzida no ciberespaço.
 Maravilhoso. O programador pediu para que Violet fizesse qualquer coisa e ela fez o que mais sabia. Matou um transeunte e na mesma hora ele estava andando novamente, com os mesmos gestos e ainda deu uma piscadela para ela. Maravilhoso. Mas, ela sabia dos perigos do ciberespaço real, as pessoas poderiam morrer se fossem mortos ainda conectados. Morte cerebral. Era o que Violet estava querendo.
 Ela já tinha conseguido comprar um software capaz de apagar 6 segundos de informações digitais e de metadados do ciberespaço, e ela só precisava da metade desse tempo para matar alguém. Com os dados apagados, ninguém saberia dela e muito menos a causa da morte. Quer dizer, era morte cerebral.
Quando foi enviada para um leve tur pelo ciberespaço real, as pessoas não deixavam de admirá-la. Era uma regra do programador número um que as pessoas permanecessem iguais como eram no mundo "real". E Violet gastou bastante para ser assim. Ela estava estonteantemente linda, curvas assimétricas, olhos verdes e lábios rosados.
"Eu sou o caos no ciberespaço" era a certeza a caçadora de recompensas. Hoje ela era seu próprio alvo.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Órgãos industrializados e antidepressivos para cirurgias

Greg Snider era viciado em antidepressivos. Era a única coisa que detinha suas mãos trêmulas e sua mente confusa. Até porque não dava para fazer cagadas enquanto abria a barriga ou cabeça de ninguém. Os antidepressivos de hoje em dia possuíam uma mistura química tão potente a ponto de se tornar algo para uso recreativo, parava os tremores das mãos, aliviava a pressão de uma mente confusa e ainda trazia uma felicidade fora do comum.
Sentado em sua sala escura e tentava ignorar a luz vermelha acessa irritantemente em cima da porta alertando desesperadamente a necessidade dele comparecer para salvar um paciente. Pegou um copo d’água sem muita vontade de fazê-lo e tomou logo duas cápsulas do milagroso remédio. Penteou os cabelos grisalhos e lisos. Encaminhou-se para a sala que o requisitou.
Greg tornou-se meca-cirurgião procurando ganhar bastante dinheiro, abrir sua própria indústria de órgãos semi-mecanizados e escravizar pacientes a altos gastos com a manutenção dos órgãos. Era tudo muito simples, os órgãos vão morrendo, e as pessoas na tentativa de prolongar tal fardo gastam fortunas a fim de experimentar mais meias centenas de anos. A questão é quanto mais órgãos envelhecem e são transplantados, mais alto fica o custo até o paciente não ter mais dinheiro ou a família cansar de gastar tanto com alguém que já deveria ter ido.
O mundo não mudou muito com os avanços tecnológicos, pelo menos não em Tóquio onde Greg trabalhava, grandes hospitais, indústrias, comércio, ciber-lan-houses, vendia-se de tudo. Até mesmo o ar era comercializado. O governo cobrava com altos impostos o ar-condicionado da cidade, a luz do Sol que brilhava mais tempo que a escuridão da noite. Vendia-se de tudo e Greg era um bom vendedor.
Nunca havia mentido sobre o estado de saúde de um paciente, mas, prometia tecnologia de ponta e tecnologia de ponta sempre é mais cara. Mas, também nunca havia pedido um paciente até hoje. Richad Patt era um paciente centenário de Greg, estava a beira de ter uma falência múltipla quando Greg ofereceu-lhe o investimento. Richard aceitou de primeira, queria ver o crescimento de sua netinha. Tudo parecia ir bem, até a netinha ligar para Greg e falar da impossibilidade de continuar pagando os custos da manutenção dos órgãos semi-mecanizados do dedicado avô.
As famílias eram assim, tão focadas no lucro quanto uma empresa exploradora do trabalho infantil. Greg sabia disso, mas, hoje foi a primeira vez em que ele perdeu um paciente. Na verdade, em seu hospital os pacientes nunca eram perdidos, o objetivo era mantê-los vivos, pelo menos hoje a medicina conseguia fazer isso efetivamente e cobrando muito mais. Tudo era muito calmo, robôs faziam boa parte do trabalho, computadores monitoravam os órgãos semi-mecanizados, cada um deles era construído sob medida. Não haviam muitos leitos para internação, os pacientes nunca passavam muito tempo hospitalizados. O avanço tecnológico possibilitou à indústria biomédica criar drogas muito eficientes, principalmente as regenerativas para traumas pós-cirúrgicos e até mesmo pequenos arranhões cicatrizavam com o passar de uma pomada.
Greg ainda precisava respirar fundo. Precisava tirar umas férias, viajar para as colônias em Urano, era tudo mais bonito por lá. Precisava voltar para a realidade e tinha uma cirurgia lhe esperando. Christie era uma bela moça, tinha contraído diabetes ainda jovem e estudou bastante para conseguir se formar em Direito Interplanetário, trabalhava numa agência em Júpiter e podia pagar o resto da vida por um pâncreas novo.
As mãos de Greg pararam de tremer no momento exato em que ele entrou pela porta e fitou Christie com um belo sorriso.

- Hoje é o grande dia! – Greg sorria mais do que nunca, a felicidade bateu de jeito – vamos logo ligando o som para relaxar o ambiente e trocar esse pâncreas doente por um novinho em folha!
- Não vejo a hora doutor! – Christie já estava ansiosa, ela sabia que tudo ia dar certo, pagou caro por isso! A questão não era essa. Ela queria poder comer o que bem entendesse e quando bem entendesse novamente. Álcool, Christie nunca se conformou em não poder beber novamente. Ela estava ansiosa.

            Greg foi vestido por R001AMC (Robô 001 Ajudante Meca-cirurgião), o robô também sedou Christie e eles começaram a cirurgia. Apesar de tantos avanços, a instintividade humana era imprescindível em assuntos tão delicados como um corte por bisturi. A mão não tremia mais e a cirurgia durou três horas de relógio. A recuperação de mais duas horas.
            Christie acordou e viu o Doutor Meca-cirurgião Greg Snider sentado ao seu lado. Ele conversou sobre alguns mínimos efeitos colaterais, e como tudo ia ser flores dali em diante.

            Greg tomou mais uma cápsula de antidepressivo. 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Joe e seu pós-mundo

Joe precisava dar uma pausa do trabalho e como sempre ia fumar um cigarro. Levantou-se de sua mesa ergométrica e de interface háptica e caminhou em direção à cabine de fumar. A cabine era uma tecnologia avançadíssima desenvolvida pela Smoke.sa para calcular a quantidade exata de toxicidade circulando no indivíduo e capaz de fazer um cigarro apropriado na hora. Era uma máquina caríssima, apenas as grandes indústrias ou empresas conseguiam contratar a Smoke.sa para instalar tais cabines.
Ao entrar numa delas, Joe via o mundo lá fora e tudo parecia encantador se aquilo não fosse uma imagem salva da Terra a cerca de 40 anos atrás, antes da Lua se despedaçar e suas partes eventualmente caírem sobre os continentes. Enquanto lembrava-se de sua infância, a cabine já tinha reconhecido Joe e confirmou que ele só poderia fumar cinco cigarros ao dia. A máquina lançou um braço mecânico minúsculo saído de uma fissura na imagem do céu de 40 anos atrás, colocou o cigarro na boca de Joe e ainda o acendeu com um laser.
Era o primeiro de mais quatro e ainda era o início do turno daquele dia. Joe tragou demoradamente. Soltou a fumaça e pensou. Enquanto pensava a máquina sugou a fumaça e liberou gases inofensivos para a atmosfera, o mesmo fazia com as cinzas. Cinza era o céu hoje em dia, a ponto das pessoas pouco olharem pra cima. Olhar pra cima dava medo, na verdade. Todos viram o mundo mudar desde o momento da explosão da Lua. A empresa responsável por explorar o solo lunar teve de pagar exorbitantes quantias de dinheiro e ainda viabilizar a transferência de boa parte dos habitantes da Terra para áreas não atingíveis pelos fragmentos lunares.
Tudo parecia fragmentado depois de tudo. Joe cresceu correndo, correu para se salvar, e encontrou os campos de trabalho compulsório. Correu para se perder no mundo e encontrou quem traficasse peças robóticas roubadas de grandes empresas. Correu para encontrar a solidão e não achou quem desse uma razão para estar só. A correria era caótica, o transito de pessoas era intenso. Até transito da chuva era caótico, porque pouco chovia, quando acontecia as gotas se batiam antes de chegar ao solo, o espaço entre a nuvem e o chão ficava engarrafado fácil. Joe correu mais um pouco e quando cansou de vagar, encontrou uma vaga para trabalhar.
Outra tragada demorada. Outra lembrança escapava. Lembrou-se de seu pai, homem trabalhador e mal acostumado com a vida de supercomputadores. Mal imaginava seu velho o futuro programado para os trabalhadores. Realmente programado, do tempo do cigarro à quantidade de químicos existente neles. As empresas não queriam um empregado se aposentando cedo demais, a Smoke.sa prometia isso: tempo de vida ao trabalhador. Para Joe, tempo de trabalho produtivo para o explorador. Mas, de olhos cerrados Joe desejou ver o céu cinzento de todo dia e a cabine realizou seu desejo, refletiu o mundo lá fora. De tão feio, franziu o cenho. De tal triste imagem da realidade Joe sorriu sarcasticamente.
Voltou a lembrar dos tempos de criança, antes da explosão lunar, antes de perder tudo e empobrecer. Ele era pequeno, mas, viveu tempo o bastante para ver empobrecer sua alma e sua esperança. Depois de mais um dia de trabalho ele voltaria para sua casa, ligaria a televisão, programada para fazer Joe dormir. Era só passar uma daquelas séries chatas de comédia, que faz o favor de rir da piada pelo espectador. Joe não fazia nenhum esforço, seu jantar estava ali, balanceado. Claro que Joe já pensou em fugir de tudo, mas, para onde. E quando se lembrava de um plano infalível ele percebeu que a luz vermelha estava piscando freneticamente. O cigarro já havia acabado há dois minutos. Eram oito minutos de trabalho perdido por fumar o cigarro e dois por desatenção, e este seria descontado de seu mísero salário. Do qual não gastava com quase nada, mas esse problema terá que esperar outra pausa para o cigarro.


(Y.S.S. 25/10/2013)

Cerebral-digital

O digital me impede
Impede-me de ir
Faz-me navegar
Sem sair do lugar

Processando, e o tempo
O tempo binário
Heurístico, deforma
Toda forma digital

Disco de bilhões de gigas
Cansados da ativa
Cativam, guardam
Centenas de voltas-minuto

Processando, e o rosto
O rosto tridimensional
Sentimental, transforma
Toda forma digital

Células cerebrais, sinapses
Calcula tempo-espaço profundo
Faz apego da memória
Centenas de impulso-segundo

Processando, e o digital
O digital me impede de ir
Tridimensional, deforma
Transforma sinapse cerebral

Células digitais, processando
E o cerebral cansado da vida
Heurístico, deforma
Toda binária sinapse-digital


(Yan S. Santos – 04/07/2013)