Joe precisava dar uma pausa do
trabalho e como sempre ia fumar um cigarro. Levantou-se de sua mesa ergométrica
e de interface háptica e caminhou em direção à cabine de fumar. A cabine era
uma tecnologia avançadíssima desenvolvida pela Smoke.sa para calcular a
quantidade exata de toxicidade circulando no indivíduo e capaz de fazer um
cigarro apropriado na hora. Era uma máquina caríssima, apenas as grandes
indústrias ou empresas conseguiam contratar a Smoke.sa para instalar tais
cabines.
Ao entrar numa delas, Joe via o
mundo lá fora e tudo parecia encantador se aquilo não fosse uma imagem salva da
Terra a cerca de 40 anos atrás, antes da Lua se despedaçar e suas partes
eventualmente caírem sobre os continentes. Enquanto lembrava-se de sua infância,
a cabine já tinha reconhecido Joe e confirmou que ele só poderia fumar cinco
cigarros ao dia. A máquina lançou um braço mecânico minúsculo saído de uma
fissura na imagem do céu de 40 anos atrás, colocou o cigarro na boca de Joe e
ainda o acendeu com um laser.
Era o primeiro de mais quatro e
ainda era o início do turno daquele dia. Joe tragou demoradamente. Soltou a
fumaça e pensou. Enquanto pensava a máquina sugou a fumaça e liberou gases
inofensivos para a atmosfera, o mesmo fazia com as cinzas. Cinza era o céu hoje
em dia, a ponto das pessoas pouco olharem pra cima. Olhar pra cima dava medo,
na verdade. Todos viram o mundo mudar desde o momento da explosão da Lua. A
empresa responsável por explorar o solo lunar teve de pagar exorbitantes
quantias de dinheiro e ainda viabilizar a transferência de boa parte dos
habitantes da Terra para áreas não atingíveis pelos fragmentos lunares.
Tudo parecia fragmentado depois
de tudo. Joe cresceu correndo, correu para se salvar, e encontrou os campos de
trabalho compulsório. Correu para se perder no mundo e encontrou quem
traficasse peças robóticas roubadas de grandes empresas. Correu para encontrar
a solidão e não achou quem desse uma razão para estar só. A correria era
caótica, o transito de pessoas era intenso. Até transito da chuva era caótico,
porque pouco chovia, quando acontecia as gotas se batiam antes de chegar ao
solo, o espaço entre a nuvem e o chão ficava engarrafado fácil. Joe correu mais
um pouco e quando cansou de vagar, encontrou uma vaga para trabalhar.
Outra tragada demorada. Outra
lembrança escapava. Lembrou-se de seu pai, homem trabalhador e mal acostumado
com a vida de supercomputadores. Mal imaginava seu velho o futuro programado
para os trabalhadores. Realmente programado, do tempo do cigarro à quantidade
de químicos existente neles. As empresas não queriam um empregado se
aposentando cedo demais, a Smoke.sa prometia isso: tempo de vida ao
trabalhador. Para Joe, tempo de trabalho produtivo para o explorador. Mas, de
olhos cerrados Joe desejou ver o céu cinzento de todo dia e a cabine realizou
seu desejo, refletiu o mundo lá fora. De tão feio, franziu o cenho. De tal
triste imagem da realidade Joe sorriu sarcasticamente.
Voltou a lembrar dos tempos de
criança, antes da explosão lunar, antes de perder tudo e empobrecer. Ele era
pequeno, mas, viveu tempo o bastante para ver empobrecer sua alma e sua
esperança. Depois de mais um dia de trabalho ele voltaria para sua casa,
ligaria a televisão, programada para fazer Joe dormir. Era só passar uma
daquelas séries chatas de comédia, que faz o favor de rir da piada pelo
espectador. Joe não fazia nenhum esforço, seu jantar estava ali, balanceado.
Claro que Joe já pensou em fugir de tudo, mas, para onde. E quando se lembrava
de um plano infalível ele percebeu que a luz vermelha estava piscando
freneticamente. O cigarro já havia acabado há dois minutos. Eram oito minutos
de trabalho perdido por fumar o cigarro e dois por desatenção, e este seria
descontado de seu mísero salário. Do qual não gastava com quase nada, mas esse
problema terá que esperar outra pausa para o cigarro.
(Y.S.S. 25/10/2013)
Nenhum comentário:
Postar um comentário