sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Joe e seu pós-mundo

Joe precisava dar uma pausa do trabalho e como sempre ia fumar um cigarro. Levantou-se de sua mesa ergométrica e de interface háptica e caminhou em direção à cabine de fumar. A cabine era uma tecnologia avançadíssima desenvolvida pela Smoke.sa para calcular a quantidade exata de toxicidade circulando no indivíduo e capaz de fazer um cigarro apropriado na hora. Era uma máquina caríssima, apenas as grandes indústrias ou empresas conseguiam contratar a Smoke.sa para instalar tais cabines.
Ao entrar numa delas, Joe via o mundo lá fora e tudo parecia encantador se aquilo não fosse uma imagem salva da Terra a cerca de 40 anos atrás, antes da Lua se despedaçar e suas partes eventualmente caírem sobre os continentes. Enquanto lembrava-se de sua infância, a cabine já tinha reconhecido Joe e confirmou que ele só poderia fumar cinco cigarros ao dia. A máquina lançou um braço mecânico minúsculo saído de uma fissura na imagem do céu de 40 anos atrás, colocou o cigarro na boca de Joe e ainda o acendeu com um laser.
Era o primeiro de mais quatro e ainda era o início do turno daquele dia. Joe tragou demoradamente. Soltou a fumaça e pensou. Enquanto pensava a máquina sugou a fumaça e liberou gases inofensivos para a atmosfera, o mesmo fazia com as cinzas. Cinza era o céu hoje em dia, a ponto das pessoas pouco olharem pra cima. Olhar pra cima dava medo, na verdade. Todos viram o mundo mudar desde o momento da explosão da Lua. A empresa responsável por explorar o solo lunar teve de pagar exorbitantes quantias de dinheiro e ainda viabilizar a transferência de boa parte dos habitantes da Terra para áreas não atingíveis pelos fragmentos lunares.
Tudo parecia fragmentado depois de tudo. Joe cresceu correndo, correu para se salvar, e encontrou os campos de trabalho compulsório. Correu para se perder no mundo e encontrou quem traficasse peças robóticas roubadas de grandes empresas. Correu para encontrar a solidão e não achou quem desse uma razão para estar só. A correria era caótica, o transito de pessoas era intenso. Até transito da chuva era caótico, porque pouco chovia, quando acontecia as gotas se batiam antes de chegar ao solo, o espaço entre a nuvem e o chão ficava engarrafado fácil. Joe correu mais um pouco e quando cansou de vagar, encontrou uma vaga para trabalhar.
Outra tragada demorada. Outra lembrança escapava. Lembrou-se de seu pai, homem trabalhador e mal acostumado com a vida de supercomputadores. Mal imaginava seu velho o futuro programado para os trabalhadores. Realmente programado, do tempo do cigarro à quantidade de químicos existente neles. As empresas não queriam um empregado se aposentando cedo demais, a Smoke.sa prometia isso: tempo de vida ao trabalhador. Para Joe, tempo de trabalho produtivo para o explorador. Mas, de olhos cerrados Joe desejou ver o céu cinzento de todo dia e a cabine realizou seu desejo, refletiu o mundo lá fora. De tão feio, franziu o cenho. De tal triste imagem da realidade Joe sorriu sarcasticamente.
Voltou a lembrar dos tempos de criança, antes da explosão lunar, antes de perder tudo e empobrecer. Ele era pequeno, mas, viveu tempo o bastante para ver empobrecer sua alma e sua esperança. Depois de mais um dia de trabalho ele voltaria para sua casa, ligaria a televisão, programada para fazer Joe dormir. Era só passar uma daquelas séries chatas de comédia, que faz o favor de rir da piada pelo espectador. Joe não fazia nenhum esforço, seu jantar estava ali, balanceado. Claro que Joe já pensou em fugir de tudo, mas, para onde. E quando se lembrava de um plano infalível ele percebeu que a luz vermelha estava piscando freneticamente. O cigarro já havia acabado há dois minutos. Eram oito minutos de trabalho perdido por fumar o cigarro e dois por desatenção, e este seria descontado de seu mísero salário. Do qual não gastava com quase nada, mas esse problema terá que esperar outra pausa para o cigarro.


(Y.S.S. 25/10/2013)

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