sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Beleza e caos no ciberespaço

Eu sou o caos. Violet sabia pelas curvas assimétricas do seu corpo, pelos olhos verdes e lábios rosados. Sabia pela forma de falar marcante, imperativa, porém suave e encantadora. Pela forma de olhar no interior dos olhos do outro, pelo andar levemente rebolado. Pelos vestidos com leves decotes e costas nuas. Vestidos soprados pelo vento, num movimento ondular hipnotizador.
 Anos atrás nada parecia possível. Violet teve uma vida difícil, não tão diferente como o do resto dos terráqueos, mas, nem tão igual. As "periferias" eram conglomerados de restos mecânicos sem serventia para o mundo e o universo. Tudo ia para lá, de robôs defeituosos a resíduos semi-orgânicos. Ela tinha conhecido o pior de tudo. Já tinha trabalhado como catadora, tentou vender algumas drogas positrônicas, tentou vender bebidas lícitas, tentou vender seu corpo, prostituiu-se. Fez de tudo um pouco, mas, nunca se imaginou uma caçadora de recompensas interplanetária.
 Violet sabia atirar muito bem. Ela sempre sabia onde estava o alvo, mesmo antes de implantar líquidos amplificadores de retina. Seus olhos eram como lentes superpotentes. Essa profissão vingou logo, matava como ninguém. Ela também gostava de ver sangue. A tonalidade do vermelho dava apetite. Principalmente quando eram almas desgarradas e perigosas. Ela gostava de caçar criminosos, mas, trabalhou alguns anos como matadora de aluguel e não se preocupava com quem era o alvo. O dinheiro parecia jorrar de uma cachoeira infinita e as modificações físicas foi seu principal gasto.
 Agora ela estava negociando com hackers do ciberespaço um implante cerebral para poder se conectar nesse mundo tão cobiçado. Ela ouvia histórias de como a realidade era uma senda maleável como águas e traiçoeira como as marés. Ela adorava ser traiçoeira.
 Foi uma cirurgia longa, 12 horas. Qualquer erro e ela poderia ter enormes consequências, morrer seria a melhor delas. Depois de uma anestesia, não sentiu nada. Acordou num susto.
Estava no quarto de cirurgia e parecia nem ter feito cirurgia alguma. Sua primeira reação foi tocar a nuca, nada. Não havia implante nenhum. O médico responsável pela cirurgia estava sentado ao seu lado dormindo.
 Ela rapidamente levantou-se da cama e enrolou o pescoço do médico com os fios de medição cardíaca. O médico acordou e começou a sorrir. Sorria bastante. O fio em seu pescoço foi ficando cada vez mais apertado na medida em que dobrava o sorriso. Violet não sabia o que fazer.
 - Criança, você está no ciberespaço, quer dizer, um protótipo dele no nosso computador. Nem se você quisesse me mataria - disse o doutor com um tom sarcástico e risonho.
 - Mostre-me tudo - a irritação de Violet desapareceu em milésimos de segundos, estava maravilhada com tudo aquilo.
 O arquiteto do sistema prontamente mudou o ambiente e Violet viu o mundo piscar a primeira vez ao seu redor, tudo tinha ficado rapidamente branco e depois ela estava no meio do Central Park em Nova York. Ela olhou bem, olhou novamente. E sorriu.
 Era o Central Park do início do século XX. Uma recriação computadorizada do parque a partir de fotografias antigas. Tudo era tão real. As pessoas passando. Os homens acompanhados com suas esposas, os homens que olhavam com desejo para Violet. Ela despertava desejo por toda a Nova York reproduzida no ciberespaço.
 Maravilhoso. O programador pediu para que Violet fizesse qualquer coisa e ela fez o que mais sabia. Matou um transeunte e na mesma hora ele estava andando novamente, com os mesmos gestos e ainda deu uma piscadela para ela. Maravilhoso. Mas, ela sabia dos perigos do ciberespaço real, as pessoas poderiam morrer se fossem mortos ainda conectados. Morte cerebral. Era o que Violet estava querendo.
 Ela já tinha conseguido comprar um software capaz de apagar 6 segundos de informações digitais e de metadados do ciberespaço, e ela só precisava da metade desse tempo para matar alguém. Com os dados apagados, ninguém saberia dela e muito menos a causa da morte. Quer dizer, era morte cerebral.
Quando foi enviada para um leve tur pelo ciberespaço real, as pessoas não deixavam de admirá-la. Era uma regra do programador número um que as pessoas permanecessem iguais como eram no mundo "real". E Violet gastou bastante para ser assim. Ela estava estonteantemente linda, curvas assimétricas, olhos verdes e lábios rosados.
"Eu sou o caos no ciberespaço" era a certeza a caçadora de recompensas. Hoje ela era seu próprio alvo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário