segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Órgãos industrializados e antidepressivos para cirurgias

Greg Snider era viciado em antidepressivos. Era a única coisa que detinha suas mãos trêmulas e sua mente confusa. Até porque não dava para fazer cagadas enquanto abria a barriga ou cabeça de ninguém. Os antidepressivos de hoje em dia possuíam uma mistura química tão potente a ponto de se tornar algo para uso recreativo, parava os tremores das mãos, aliviava a pressão de uma mente confusa e ainda trazia uma felicidade fora do comum.
Sentado em sua sala escura e tentava ignorar a luz vermelha acessa irritantemente em cima da porta alertando desesperadamente a necessidade dele comparecer para salvar um paciente. Pegou um copo d’água sem muita vontade de fazê-lo e tomou logo duas cápsulas do milagroso remédio. Penteou os cabelos grisalhos e lisos. Encaminhou-se para a sala que o requisitou.
Greg tornou-se meca-cirurgião procurando ganhar bastante dinheiro, abrir sua própria indústria de órgãos semi-mecanizados e escravizar pacientes a altos gastos com a manutenção dos órgãos. Era tudo muito simples, os órgãos vão morrendo, e as pessoas na tentativa de prolongar tal fardo gastam fortunas a fim de experimentar mais meias centenas de anos. A questão é quanto mais órgãos envelhecem e são transplantados, mais alto fica o custo até o paciente não ter mais dinheiro ou a família cansar de gastar tanto com alguém que já deveria ter ido.
O mundo não mudou muito com os avanços tecnológicos, pelo menos não em Tóquio onde Greg trabalhava, grandes hospitais, indústrias, comércio, ciber-lan-houses, vendia-se de tudo. Até mesmo o ar era comercializado. O governo cobrava com altos impostos o ar-condicionado da cidade, a luz do Sol que brilhava mais tempo que a escuridão da noite. Vendia-se de tudo e Greg era um bom vendedor.
Nunca havia mentido sobre o estado de saúde de um paciente, mas, prometia tecnologia de ponta e tecnologia de ponta sempre é mais cara. Mas, também nunca havia pedido um paciente até hoje. Richad Patt era um paciente centenário de Greg, estava a beira de ter uma falência múltipla quando Greg ofereceu-lhe o investimento. Richard aceitou de primeira, queria ver o crescimento de sua netinha. Tudo parecia ir bem, até a netinha ligar para Greg e falar da impossibilidade de continuar pagando os custos da manutenção dos órgãos semi-mecanizados do dedicado avô.
As famílias eram assim, tão focadas no lucro quanto uma empresa exploradora do trabalho infantil. Greg sabia disso, mas, hoje foi a primeira vez em que ele perdeu um paciente. Na verdade, em seu hospital os pacientes nunca eram perdidos, o objetivo era mantê-los vivos, pelo menos hoje a medicina conseguia fazer isso efetivamente e cobrando muito mais. Tudo era muito calmo, robôs faziam boa parte do trabalho, computadores monitoravam os órgãos semi-mecanizados, cada um deles era construído sob medida. Não haviam muitos leitos para internação, os pacientes nunca passavam muito tempo hospitalizados. O avanço tecnológico possibilitou à indústria biomédica criar drogas muito eficientes, principalmente as regenerativas para traumas pós-cirúrgicos e até mesmo pequenos arranhões cicatrizavam com o passar de uma pomada.
Greg ainda precisava respirar fundo. Precisava tirar umas férias, viajar para as colônias em Urano, era tudo mais bonito por lá. Precisava voltar para a realidade e tinha uma cirurgia lhe esperando. Christie era uma bela moça, tinha contraído diabetes ainda jovem e estudou bastante para conseguir se formar em Direito Interplanetário, trabalhava numa agência em Júpiter e podia pagar o resto da vida por um pâncreas novo.
As mãos de Greg pararam de tremer no momento exato em que ele entrou pela porta e fitou Christie com um belo sorriso.

- Hoje é o grande dia! – Greg sorria mais do que nunca, a felicidade bateu de jeito – vamos logo ligando o som para relaxar o ambiente e trocar esse pâncreas doente por um novinho em folha!
- Não vejo a hora doutor! – Christie já estava ansiosa, ela sabia que tudo ia dar certo, pagou caro por isso! A questão não era essa. Ela queria poder comer o que bem entendesse e quando bem entendesse novamente. Álcool, Christie nunca se conformou em não poder beber novamente. Ela estava ansiosa.

            Greg foi vestido por R001AMC (Robô 001 Ajudante Meca-cirurgião), o robô também sedou Christie e eles começaram a cirurgia. Apesar de tantos avanços, a instintividade humana era imprescindível em assuntos tão delicados como um corte por bisturi. A mão não tremia mais e a cirurgia durou três horas de relógio. A recuperação de mais duas horas.
            Christie acordou e viu o Doutor Meca-cirurgião Greg Snider sentado ao seu lado. Ele conversou sobre alguns mínimos efeitos colaterais, e como tudo ia ser flores dali em diante.

            Greg tomou mais uma cápsula de antidepressivo. 

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