quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Das assas, voos e ventos

As gaivotas bailam sobre um rio de firmamento
E as águas molhadas de poeira estelar desaguam galáxias imensas
Dessas com correntes quentes e frias entre zonas trópicas e equatoriais
Equitativo sem medição é o bater de assas simbólicas
Dependuradas num varal estendido sobre esgoto espúrio
Visto-as, mas, não consigo planar, falta o vento

Agarro-me por fim na cauda de um cometa triste
Ele caminha solitário e qualquer impacto seu é chamado de violento
Quer descansar, ele apenas quer formar um mar ao colidir
Quer se desfazer nas falésias de vida borbulhante

O que há de mal em banhar-se nas águas da memória?
Descendo profundamente, escavando pensamentos de acesso padrão
Rapidamente imergir em solida carapaça de medos e solidões
E as gaivotas continuam planando e em minhas assas nem sequer bateu um vento.


(Y.S.S. 27/11/2013)

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Planar sideral

Decido tudo e num instante transfiguro num mundo sideral
Plumas já não servem ao atrito e o planar é pura vontade
Tudo parece falta de gravidade e impulso pra espaçonave
As horas não voam com o vento e o vácuo não permite a demora
E a aurora é um escudo profundo protegendo a escuridão do mundo

O decolar no universo é sempre permitido se não fosse o amanhã
Esse que impede de olhar além da tarde vã
E o tempo espacial derradeiro por pura novidade
Cansou de ouvir ontem, hoje, amanhãs e talvez
E ficou como plumas planando por pura vontade
Vontade de transfigurar-me num sideral sem rumo


(Y.S.S. 18/11/2013)

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Beleza e caos no ciberespaço

Eu sou o caos. Violet sabia pelas curvas assimétricas do seu corpo, pelos olhos verdes e lábios rosados. Sabia pela forma de falar marcante, imperativa, porém suave e encantadora. Pela forma de olhar no interior dos olhos do outro, pelo andar levemente rebolado. Pelos vestidos com leves decotes e costas nuas. Vestidos soprados pelo vento, num movimento ondular hipnotizador.
 Anos atrás nada parecia possível. Violet teve uma vida difícil, não tão diferente como o do resto dos terráqueos, mas, nem tão igual. As "periferias" eram conglomerados de restos mecânicos sem serventia para o mundo e o universo. Tudo ia para lá, de robôs defeituosos a resíduos semi-orgânicos. Ela tinha conhecido o pior de tudo. Já tinha trabalhado como catadora, tentou vender algumas drogas positrônicas, tentou vender bebidas lícitas, tentou vender seu corpo, prostituiu-se. Fez de tudo um pouco, mas, nunca se imaginou uma caçadora de recompensas interplanetária.
 Violet sabia atirar muito bem. Ela sempre sabia onde estava o alvo, mesmo antes de implantar líquidos amplificadores de retina. Seus olhos eram como lentes superpotentes. Essa profissão vingou logo, matava como ninguém. Ela também gostava de ver sangue. A tonalidade do vermelho dava apetite. Principalmente quando eram almas desgarradas e perigosas. Ela gostava de caçar criminosos, mas, trabalhou alguns anos como matadora de aluguel e não se preocupava com quem era o alvo. O dinheiro parecia jorrar de uma cachoeira infinita e as modificações físicas foi seu principal gasto.
 Agora ela estava negociando com hackers do ciberespaço um implante cerebral para poder se conectar nesse mundo tão cobiçado. Ela ouvia histórias de como a realidade era uma senda maleável como águas e traiçoeira como as marés. Ela adorava ser traiçoeira.
 Foi uma cirurgia longa, 12 horas. Qualquer erro e ela poderia ter enormes consequências, morrer seria a melhor delas. Depois de uma anestesia, não sentiu nada. Acordou num susto.
Estava no quarto de cirurgia e parecia nem ter feito cirurgia alguma. Sua primeira reação foi tocar a nuca, nada. Não havia implante nenhum. O médico responsável pela cirurgia estava sentado ao seu lado dormindo.
 Ela rapidamente levantou-se da cama e enrolou o pescoço do médico com os fios de medição cardíaca. O médico acordou e começou a sorrir. Sorria bastante. O fio em seu pescoço foi ficando cada vez mais apertado na medida em que dobrava o sorriso. Violet não sabia o que fazer.
 - Criança, você está no ciberespaço, quer dizer, um protótipo dele no nosso computador. Nem se você quisesse me mataria - disse o doutor com um tom sarcástico e risonho.
 - Mostre-me tudo - a irritação de Violet desapareceu em milésimos de segundos, estava maravilhada com tudo aquilo.
 O arquiteto do sistema prontamente mudou o ambiente e Violet viu o mundo piscar a primeira vez ao seu redor, tudo tinha ficado rapidamente branco e depois ela estava no meio do Central Park em Nova York. Ela olhou bem, olhou novamente. E sorriu.
 Era o Central Park do início do século XX. Uma recriação computadorizada do parque a partir de fotografias antigas. Tudo era tão real. As pessoas passando. Os homens acompanhados com suas esposas, os homens que olhavam com desejo para Violet. Ela despertava desejo por toda a Nova York reproduzida no ciberespaço.
 Maravilhoso. O programador pediu para que Violet fizesse qualquer coisa e ela fez o que mais sabia. Matou um transeunte e na mesma hora ele estava andando novamente, com os mesmos gestos e ainda deu uma piscadela para ela. Maravilhoso. Mas, ela sabia dos perigos do ciberespaço real, as pessoas poderiam morrer se fossem mortos ainda conectados. Morte cerebral. Era o que Violet estava querendo.
 Ela já tinha conseguido comprar um software capaz de apagar 6 segundos de informações digitais e de metadados do ciberespaço, e ela só precisava da metade desse tempo para matar alguém. Com os dados apagados, ninguém saberia dela e muito menos a causa da morte. Quer dizer, era morte cerebral.
Quando foi enviada para um leve tur pelo ciberespaço real, as pessoas não deixavam de admirá-la. Era uma regra do programador número um que as pessoas permanecessem iguais como eram no mundo "real". E Violet gastou bastante para ser assim. Ela estava estonteantemente linda, curvas assimétricas, olhos verdes e lábios rosados.
"Eu sou o caos no ciberespaço" era a certeza a caçadora de recompensas. Hoje ela era seu próprio alvo.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Órgãos industrializados e antidepressivos para cirurgias

Greg Snider era viciado em antidepressivos. Era a única coisa que detinha suas mãos trêmulas e sua mente confusa. Até porque não dava para fazer cagadas enquanto abria a barriga ou cabeça de ninguém. Os antidepressivos de hoje em dia possuíam uma mistura química tão potente a ponto de se tornar algo para uso recreativo, parava os tremores das mãos, aliviava a pressão de uma mente confusa e ainda trazia uma felicidade fora do comum.
Sentado em sua sala escura e tentava ignorar a luz vermelha acessa irritantemente em cima da porta alertando desesperadamente a necessidade dele comparecer para salvar um paciente. Pegou um copo d’água sem muita vontade de fazê-lo e tomou logo duas cápsulas do milagroso remédio. Penteou os cabelos grisalhos e lisos. Encaminhou-se para a sala que o requisitou.
Greg tornou-se meca-cirurgião procurando ganhar bastante dinheiro, abrir sua própria indústria de órgãos semi-mecanizados e escravizar pacientes a altos gastos com a manutenção dos órgãos. Era tudo muito simples, os órgãos vão morrendo, e as pessoas na tentativa de prolongar tal fardo gastam fortunas a fim de experimentar mais meias centenas de anos. A questão é quanto mais órgãos envelhecem e são transplantados, mais alto fica o custo até o paciente não ter mais dinheiro ou a família cansar de gastar tanto com alguém que já deveria ter ido.
O mundo não mudou muito com os avanços tecnológicos, pelo menos não em Tóquio onde Greg trabalhava, grandes hospitais, indústrias, comércio, ciber-lan-houses, vendia-se de tudo. Até mesmo o ar era comercializado. O governo cobrava com altos impostos o ar-condicionado da cidade, a luz do Sol que brilhava mais tempo que a escuridão da noite. Vendia-se de tudo e Greg era um bom vendedor.
Nunca havia mentido sobre o estado de saúde de um paciente, mas, prometia tecnologia de ponta e tecnologia de ponta sempre é mais cara. Mas, também nunca havia pedido um paciente até hoje. Richad Patt era um paciente centenário de Greg, estava a beira de ter uma falência múltipla quando Greg ofereceu-lhe o investimento. Richard aceitou de primeira, queria ver o crescimento de sua netinha. Tudo parecia ir bem, até a netinha ligar para Greg e falar da impossibilidade de continuar pagando os custos da manutenção dos órgãos semi-mecanizados do dedicado avô.
As famílias eram assim, tão focadas no lucro quanto uma empresa exploradora do trabalho infantil. Greg sabia disso, mas, hoje foi a primeira vez em que ele perdeu um paciente. Na verdade, em seu hospital os pacientes nunca eram perdidos, o objetivo era mantê-los vivos, pelo menos hoje a medicina conseguia fazer isso efetivamente e cobrando muito mais. Tudo era muito calmo, robôs faziam boa parte do trabalho, computadores monitoravam os órgãos semi-mecanizados, cada um deles era construído sob medida. Não haviam muitos leitos para internação, os pacientes nunca passavam muito tempo hospitalizados. O avanço tecnológico possibilitou à indústria biomédica criar drogas muito eficientes, principalmente as regenerativas para traumas pós-cirúrgicos e até mesmo pequenos arranhões cicatrizavam com o passar de uma pomada.
Greg ainda precisava respirar fundo. Precisava tirar umas férias, viajar para as colônias em Urano, era tudo mais bonito por lá. Precisava voltar para a realidade e tinha uma cirurgia lhe esperando. Christie era uma bela moça, tinha contraído diabetes ainda jovem e estudou bastante para conseguir se formar em Direito Interplanetário, trabalhava numa agência em Júpiter e podia pagar o resto da vida por um pâncreas novo.
As mãos de Greg pararam de tremer no momento exato em que ele entrou pela porta e fitou Christie com um belo sorriso.

- Hoje é o grande dia! – Greg sorria mais do que nunca, a felicidade bateu de jeito – vamos logo ligando o som para relaxar o ambiente e trocar esse pâncreas doente por um novinho em folha!
- Não vejo a hora doutor! – Christie já estava ansiosa, ela sabia que tudo ia dar certo, pagou caro por isso! A questão não era essa. Ela queria poder comer o que bem entendesse e quando bem entendesse novamente. Álcool, Christie nunca se conformou em não poder beber novamente. Ela estava ansiosa.

            Greg foi vestido por R001AMC (Robô 001 Ajudante Meca-cirurgião), o robô também sedou Christie e eles começaram a cirurgia. Apesar de tantos avanços, a instintividade humana era imprescindível em assuntos tão delicados como um corte por bisturi. A mão não tremia mais e a cirurgia durou três horas de relógio. A recuperação de mais duas horas.
            Christie acordou e viu o Doutor Meca-cirurgião Greg Snider sentado ao seu lado. Ele conversou sobre alguns mínimos efeitos colaterais, e como tudo ia ser flores dali em diante.

            Greg tomou mais uma cápsula de antidepressivo.